Uma noite em que o jeito simples do homem do interior contrastou com o estilo do alto executivo talhado na infalível fórmula que mistura vivência na empresa com horas a fio nos bancos das maiores e melhores universidades do mundo (como Harvard e Oxford). Uma noite na qual os dois estilos, contrastantes, desfiaram para uma plateia absorta, histórias muito parecidas: trajetórias de sucesso marcadas por muita dedicação, tino comercial, competência gerencial e, acima de tudo, aplicação de soluções inovadoras a cada negócio. Assim foi a noite da terça-feira, 24 de abril, quando o Teatro Riachuelo recebeu os empresários Flávio Rocha, do Grupo Guararapes/Riachuelo, e Manoel Etelvino de Medeiros, do Grupo Nordestão, dentro do Fórum Empresarial do RN, realizado pelo consultoria K&M Group.
Manoel Etelvino abriu a noite, a princípio claramente desconfortável com o microfone de última geração (daqueles que prendem na cabeça e deixam as mãos livres e que ele quis entregar a Flávio Rocha quando o executivo, ao começar sua palestra disse, em tom de brincadeira, que tinha sido descriminado e nãO tinha recebido um microfone tão "chique") que recebeu da organização do evento e com a possibilidade de ficar andando por todo o imenso palco do teatro.
Mas, aos poucos, o desconforto sumiu e ele, muito à vontade, falou durante aproximadamente 25 minutos sobre aquilo que mais conhece: como construiu, junto com os irmãos e com o suporte inicial do pai, a trajetória vitoriosa do Grupo de Supermercados Nordestão, hoje, um colosso de oito lojas - sendo sete de varejo e uma atacadista-, mais de 2.500 funcionários e o maior faturamento por metros quadrado de loja de supermercado no país (ranking Abras).
Completando em 2012 40 anos de vida, a rede Nordestão virou o que os especialistas chama de "case de sucesso". Por várias vezes foi cortejada por gigantes do varejo mundial (como Carrefour e Wal-Mart) e nacional (como Pão de Açúcar), mas nunca sucumbiu e hoje ostenta uma vitalidade e pujança invejáveis. O segredo do sucesso? Com toda sua simplicidade, Manoel Etelvino resume: "Trabalho, respeito aos fornecedores e colaboradores, ética e honestidade".
Apesar de contar uma história já bastante conhecida dos natalenses (surgida após a destruição da merceria mantida pelo pai, Leôncio Etelvino, no antigo Mercado Público da Cidade Alta, pelo incêndio histórico no local), o jeito quase pueril de falar de "Seo" Manoel encantou a plateia e gerou momentos enriquecedoramente divertidos na palestra, como aquele no qual o empresário contou como surgiu a ideia de montar um supermercado em 1972 numa cidade onde ninguém sabia bem o que era isso.
"Eu havia me formado em Farmácia, era o final dos anos 60. Fui para Sãp Paulo fazer um estágio no Hospital das Clínicas. Para ir todos os dias ao hospital, eu passavem em frente a uma loja do Pão de Açúcar. E fiquei apaixonado. Foi amor à primeira vista. Eu namorava com aquela ideia e só pensava em trazê-la para Natal. Minha paixão era tanta que quando eu ligava de lá para minha mulher, ela dizia que eu falava mais no supermercado que tinha visto do que nela!", afirmou ele, arrancado risos da plateia e externando um ponto da história do grupo até ent!ão desconhecido e que não deixa de ser irônico, afinal, foi com base no conceito desenvolvido por um atual concorrente que nasceu a rede Nordestão. A mesma rede que, há cerca de cinco anos, o criador involuntário quis adquirir, a peso de ouro, sem sucesso.
Outro momento pouco comentado da trajetória do Nordestão sobre o qual Manoel Etelvino falou abertamente foi a morte do pai o consequente impacto nos negócios. O problema é que, quando o patriarca da família Medeiros faleceu, a rede já tinha três lojas e estava em franca expansão, embora devendo a bancos (mais precisamente ao BNDES) pelo financiamento da expansão.
O dia a dia da empresa era tocado - como é até hoje - por quatro dos dez irmãos Medeiros (além de Manoel, os irmãos Geraldo, Leônico e Félix). Mas, com a morte do pai, os outros seis irmãos passaram a ser sócios do Nordestão, por força do inventário. Manoel Etelvino conta que este foi um dos momentos mais delicados da trajetória do grupo. "Tivemos que negociar com cada um dos seis irmãos. Conseguimos pagar a todos eles, um de cada vez, e manter, até hoje, um bom convívio na família".
Finalizando sua palestra, Manoel Etelvino contou como foram implantados no Nordestão a governance corporativa; que tirou do grupo a cara de empresa familiar e lhe deu um ar muito mais profissional, fundamental para a sua expansão; e peculiaridades como a Holding Imobiliária - que, nas suas palavras, garante tranquilidade, através de uma renda fixa para cada núcleo familiar dos sócios através do pagamento de aluguel pelos terrenos onde fica cada loja do Nordestão - e o Conselho de Primos - um fórum no qua los filhos dos quatro irmãos sócios sao tutelados por um alto executivo e começam a dar os primeiros passos dentro da empresa, antes de decidir se querem e se têm aptidão para assumir o grupo um dia.
Flávio Rocha
Não bastasse o interesse natural que a história do Grupo Guararapes/Riachuelo já despertaria por si só, a palestra do empresário Flávio Rocha começou com uma expectativa extra. Dois dias antes, em uma entrevista ao jornal Tribuna do Norte, Rocha havia desfiado um rosário de reclamações contra o que ele chamou de "ambiente hostil" ao empresário no Rio Grande do Norte, levantando muita polêmica e acirrando debates sobre o tema.
Bema o seu estilo, ele começou a palestra tratando de abordar de cara o tema pontual. Não voltou atrás em uma linha do que disse, mas fez questão de deixar claro que não estava se referindo a um governo, um governante ou um secretário, mas sim a um contexto. "Quiseram fulanizar o assunto, mas isso é impossível. O que eu cobrei, e continuarei cobrando, é que o clima aqui seja mais cordato, que as coisas se resolvam mais facilmente e que as pessoas que acham que estão ajudando o trabalhador, impondo regras e normas que encarecem o seu custo, enxerguem que o maior benefício possível para qualquer trabalhador é a manutenção do seu emprego. Sem ele, nenhum um outro benefício existe", afirmou para o aplauso uníssono da plateia.
Ao longo da história do Grupo Guararapes/Riachuelo, Flávio Rocha também presenteou a plateia com algumas informações inéditas e retomou o tema da polêmica entrevista.
Ele falou sobre o já conhecido modelo de gestão "horizontal" do grupo, no qual cada um dos quatro segmentos (confecção,nas unidades fabris da Guararapes; Logística, com a transportadora Casa Verde; varejo, as 145 lojas da rede Riachuelo; e financiamento, com a financeira Midway) tem sua autonomia, mas precisa contribuir para o sucesso do grupo como um todo. "Não interessa se a transportadora está perdendo um pouco para dar mais lucro no varejo ou na financeira. Não me importa a otimização local, e sim a global", afirmou ele, não sem antes lembrar que este conceito foi copiado da rede de lojas espanhola Zara.
Fazendo questão sempre de ressaltar a importância do pai, Nevaldo Rocha, não apenas na fundação do grupo como, até hoje, como "um farol, um norteador de nossas decisões, do alto de sua experiência", Flávio Rocha também enfatizou bastante que o crescimento do grupo se deve basicamente à expansão da cadeia de lojas de departamento Riachuelo. E este crescimento se embasa sobretudo, ainda Segundo ele, no crescimento da classe média no Brasil.
"A classe média no Brasil representava 17% da população há dez anos, e hoje já representa mais de 50%. O poder de compra desta classe subiu, em oito anos, de R$ 1,2 trihão para R$ 2,3 trilhões. E junto com este crescimento, o que mais cresceu foi o poder de consumo da mulher. A nova consumidora da classe média brasileira está se voltando para o espelho e está gastando com isso. Nós costumamos dizer que são as gatas borralheiras que estão virando princesas. E são elas as grandes propulsoras do crescimento da nossa economia. Os gastos em moda e beleza, por exemplo, cresceram 218% nos últimos oito anos", afirmou ele, com base em uma pesquisa feita pelo instituto Datapopular em parceria com o Grupo Abril.
O empresário ressaltou que este comportamento do mercado tem sido fundamental para a Riachuelo. O motivo é que estas novas consumidoras querem consumir moda. Investir em coleções modernas e em parcerias com grandes estilistas tem sido o caminho para fisgá-las. Mas - e aí entra o grande diferencial de manter toda a cadeira sob controle do grupo, como gosta de dizer Rocha, do "fio até a décima prestação depois da compra" - nada disso de nada adiantaria se não se conseguisse custos muito reduzidos, capazes de baratear o produto final.
"Estas consumidoras querem consumir, mas não dispõem de grandes quantias. A prestação mensal média de uma cliente Riachuelo é de R$ 17. Temos que nos adequar a esta realidade", afirmou Rocha que deu ainda um outro número que embasa os planos do grupo de chegar a 200 lojas em todo o país em 2013 e a mil lojas em um tempo "que todos nós ainda vamos ver". "A Riachuelo é a maior empresa de moda do Brasil, mas representa apenas 1,2% do mercado. No ano passado, nós vendemos 110 milhões de peças de roupa, em um mercado de 1,9 bilhão de peças".
Para finalizar, Flávio Rocha deu mais alguns números que ratificam aquela necessidade expressada por ele na polemica entrevista na qual retratava o "clima hostil ao empresariado existente no Rio Grande do Norte".
Segundo ele, a cada cem novos empregos abertos em uma nova loja da Riachuelo, seria possível abrir 200 novos empregos na fábrica de Extremoz, aqui no Rio Grande do Norte. Hoje, estes empregos estão indo para a unidade do grupo em Fortaleza, no Ceará, exatamente por causa do tal "clima hostil". "Com todo o respeito aos novos projetos que aqui chegam, mas eu vi hoje uma material comemorando, de forma justa, a abertura de 320 empregos em uma nova mina na região do Seridó potiguar. Em dois anos, nós fechamos 7,5 mil empregos na fábrica de Extremoz, ou seja, quase 320 empregos a menos por mês", disparou Rocha. Foi aplaudido.